terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Ruta Nororiental

Dia 17 de janeiro, sexta
Deixamos o litoral para subir a cordilheira novamente. A direção do dia era leste, até a grande cidade de Cajamarca. A planície seca e arenosa foi dando lugar a montanhas de pedras, paisagem ainda muito árida. Depois chegamos a vales verdes com pequenos povoados de agricultores. Lavouras de milho e arroz, tudo cultivado manualmente. Em seguida passamos por uma região de frutas. A estrada era emoldurada por mangueiras carregadinhas de frutas vermelhas e amarelas. Havia também uma fruta pequena vermelhinha que chamam de ciruela, mas não tem gosto nem aparência de ameixa. Paramos na estrada em uma das vendas de frutas e compramos 3 tipos de manga, a tal ciruela e "mamei", um fruto de casca grossa marrom, com uma polpa doce alaranjada e um grande caroço. A estrada sempre asfaltada, subia mais e mais, serpenteando as montanhas e o clima ia esfriando. Consumimos alguns remedinhos para dor de cabeça e enjoo. Paramos para ver uma enorme represa em uma região seca pedregosa e depois a estrada continuava por localidades verdes e férteis. Chegamos a 3200 msnm e depois descemos novamente, até os 2700 msnm, no vale onde está Cajamarca, uma cidade grande, colonial, com uma catedral e outras igrejas de fachadas imponentes, tudo feito e esculpido em pedra. A plaza de armas é bem grande e florida, aliás, desde Lima todos os canteiros, nos povoados mais pobres e poeirentos e também nos grandes centros urbanos têm muitas flores coloridas, bem cuidadas. Cajamarca é a cidade melhor apresentada, mais limpa e com casas melhor acabadas que vimos até o momento. Muitos sobrados em estilo espanhol, com pesados balcões de madeira trabalhados e pintados de marrom ou verde escuro compõem as quadras centrais. Também vimos mais mendigos nesta cidade. Levamos alguns banhos de água (espero!) ao passear a pé, pois segundo nos disseram, estamos no mês do carnaval (???) e esta é uma tradição. Várias crianças e adolescentes nas ruas e praças esperavam os desavisados passarem ou faziam guerras de bexiguinhas e arminhas de água. Caminhamos pelo centro, depois almojantamos em um restaurante típico, onde o Ricardo se superou pedindo um prato de cuy (porquinho da índia, que veio quase inteiro no prato). Ele não gostou muito, achou muito fibrosa a carne. O cuy é uma iguaria da cozinha peruana, herança de antigos povos andinos, alguns que tinham (e tem, até hoje), inclusive, dentro de suas casas um espaço para criar os bichos. Vários pratos são acompanhados de camote, a batata doce (amarela / alaranjada) tradicional. Quase todos os restaurantes servem jarras de limonada, tomamos duas grandes. Provamos sorvete de uma fruta chamada lúcuma, bom, bem doce. Cansados da viagem, nos recolhemos cedo nas ótimas acomodações do Hotel Pillancones, que é bem novo e fica no centro da cidade. O Ricardo preferiu caminhar à noite e fez ótimas fotos na praça, bastante movimentada, onde uma banda tocava para as famílias, também subiu ao mirador que ostenta uma cruz e tem escadarias bem bonitas, arredondadas. Ainda nestas explorações ele descobriu o excelente supermercado Metro, limpíssimo e muito bem sortido na rua do nosso hotel.


Dia 18 de janeiro, sábado
O café da manhã foi ao estilo peruano, sem muitos atrativos. Havia dois tipos diferentes de queijo, pois Cajamarca é conhecida por ter bastante produção. A Mônica e a Débora fizeram um pequeno rancho no Metro, comprando empanadas, sanduíches, chocolates e água, já que a viagem, mais uma vez, seria longa. Segundo os guias consultados, a estrada até Leymebamba tinha 252Km em um tempo estimado em 9h, então, tínhamos alguma ideia do que passaríamos. A estrada é toda asfaltada atualmente - parece ter sido terminada há pouco, mas é tão cheia de curvas e estreita que realmente demora muuuuito. Foi uma viagem bastante cansativa, paramos ao meio dia para comer o lanche, avistando ao longe uma pequena localidade. Era uma sequência de precipícios e ziguezagues, quase não saíamos do lugar, apenas subindo e descendo montanhas. Chegamos a uma altitude de 3600msnm. À tardinha entramos em Leymebamba (+- 5000 habitantes) que já fica no estado do Amazonas e tem uma vegetação mais intensa e clima úmido. Por sorte, o único alojamento bom da vila, o La Casona, tinha quatro quartos dobles disponíveis para nos acomodar, uma janta excelente (sopa de ervilhas, arroz, vegetais, galinha ao molho de mostarda, bolo com calda de chocolate, água, vinho e chás), que no dia seguinte saberíamos que foi muito cara, mas não tínhamos opção, e, incrível, tinha wifi! Ao caminhar pela pequena vila percebemos quanta sorte foi encontrarmos este lugar, que é bastante humilde, fica num vale entre montanhas e é passagem para os poucos turistas (além de nós, um casal de moto e depois mais uma moça que chegou) que percorrem este trajeto. A maioria dos turistas acessa a região de Chachapoyas, que seria o principal destino desta parte da viagem, pelo norte, evitando esta estrada, que é tão deserta e, talvez poucos saibam que já está asfaltada. Nós, propositalmente planejamos esta passagem para ver as regiões mais pitorescas, os vales e as montanhas altas e ainda, o Museu das Múmias de Leymebamba. Fez bastante frio, mas o banho do La Casona era excelente, quentinho e com fartura de água. Dormimos muito bem.

Dia 19 de janeiro, domingo
O café da manhã foi bem bom, pagamos a conta e fomos ao Museu das Múmias. Tivemos que esperar um pouco, pois ele abriria somente às 10h. Com um jeitinho brasileiro o senhor responsável abriu meia hora antes. Este museu vale muito a pena. É impressionante ver as 209 múmias da cultura chachapoya que foram encontradas em 2006 atrás de paredes de barro construídas num penhasco junto a um lago desta região. Os agricultores que acharam estas construções nunca antes as haviam visto porque a parede estava coberta de vegetação e em local pouco acessível. A partir de então, uma arqueóloga peruana identificou o material (havia também objetos de cerâmica, têxteis e outros) e começaram a chegar saqueadores, o que obrigou os estudiosos a retirar tudo do lugar. O governo austríaco patrocinou a construção do museu, já que um arqueólogo desta nacionalidade participou bastante da exploração e estudo. O museu é muito organizado, tem várias salas e põe à mostra, através de um vidro, em uma sala climatizada, estantes cheias de múmias, todas elas em posição fetal ou agachadas. Originalmente todas estavam envoltas em tecidos, com bordados por fora, mas algumas foram desembrulhadas para estudos e assim estão, à vista de quem quiser. A Bruna e a Luísa preferiram não vê-las. Soubemos que muitos arqueólogos, antropólogos e universitários vêm ao local para fazer suas pesquisas. O ingresso para adultos é de $10ns, para universitários e colegiais o valor é sempre menor em todos os museus. Tentamos ver, na propriedade do Kentikafé (uma lanchonete e hospedagem particular que fica em frente ao museu) os famosos beija-flores com rabo longo de duas penas, mas infelizmente eles não apareceram a esta hora. Muitos outros beija-flores voavam pelo bosque florido.
Partimos para mais uma jornada em nossa super van, depois das 11h. A paisagem após Leymebamba é muito bonita, um riozinho vai acompanhando a estrada, que não é perigosa, em geral circundada por pastagens, plantações mais planas, várias vilas muito pequenas, com casinhas de barro e criação de animais. Passamos por uma feira dominical na estrada, destas em que se vê de tudo, desde produtos industrializados até frutas, verduras e animais à venda - ou seria troca? Famílias iam e vinham a cavalo, de moto, a maioria a pé mesmo. As pessoas expunham suas mercadorias a céu aberto, algumas embaixo de lonas ou plásticos estendidos ao lado de caminhões. Bem pitoresco. Em seguida chegamos ao povoado de Tingo, onde paramos em um armazém de beira de estrada para comprar bolachas e água. Neste local, uma menina nos pediu carona, para ela e sua mãe, depois de discutirmos onde elas iriam e aceitarmos dar carona, surgiram mais duas pessoas com elas e soubemos que a mãe levava uma galinha no colo (!). Pois é, levamos a menina, sua mãe e a galinha, não havia lugar para mais gente. As duas nos contaram que moram um pouco mais acima, em Novo Tingo, pois a maioria das casas de Tingo havia sido destruída por um aluvião em 1989. A partir de Tingo, iniciamos uma subida de 35km por estrada de chão batido que durou quase 90 min até a cidade precolombiana de Kuelap, denominada a Machu Picchu do norte em função do tamanho das ruínas e da arquitetura toda em pedra. Kuelap fica no alto de uma montanha, em local estratégico e tem, pelo que se sabe até o momento, 600m de comprimento por 100m de largura, toda protegida por altos muros de pedra, que chegam a ter 20m. No acesso ao local há uma recepção com uma sala explicativa onde uma funcionária conta, a partir de painéis, maquetes e fotos, o que se vê na visita à fortaleza. O ingresso custou $15ns para adultos (valor menor para los chicos) e ainda pagamos $30ns para termos o guia Ener, um rapaz que acompanhou o trajeto de mais ou menos 3km de visitação. Cansamos bastante ao caminhar nas trilhas, em função da altitude de 3.000msnm. Este é o segundo maior complexo inca depois da famosa Machu Picchu. Na verdade, toda a construção foi feita por indígenas chachapoyas que desenvolveram uma cultura própria, projetaram no local em torno de 600 residências familiares circulares, com sistema de drenagem e teto de palha cônico. As casas circulares eram totalmente tapadas com pedras para servir de base a uma nova casa sempre que seu dono morresse e era enterrado nela. Assim, existem mais ou menos umas 5 camadas de construção sobre o terreno. Este povo esteve ocupando o local desde 400 ou 600 dC até mais ou menos 1470dC, quando foi dominado pelo império inca, que se apossou da cidadela e construiu alguns edifícios retangulares, trouxe objetos próprios e algumas práticas diferentes. Há muita coisa ainda para se descobrir deste local, que está bastante coberto por vegetação, tendo somente 25% do seu patrimônio visível, pois os trabalhos arqueológicos pararam há 3 anos quando os investimentos cessaram. Já no próximo mês será iniciada uma nova etapa de pesquisa e limpeza das ruínas. É aguardada uma verba japonesa, que sustentará o trabalho de vários arqueólogos peruanos e melhorias no acesso ao local, inclusive com a instalação de teleférico, que evitará a subida de mais de uma hora pela estrada sem asfalto. Tivemos muita sorte com o tempo até agora. Apesar de ser época de chuvas, nunca tivemos impedimento para qualquer passeio. Chovia à noite ou um pouco durante as viagens de carro. Depois da visita, voltamos à estrada asfaltada e seguimos em direção a Chachapoyas, ou melhor, um "caserio" (nem é considerado vilarejo) chamado Cocachimba, onde se encontra o Gocta Lodge, nosso paradouro para as próximas duas noites. Neste trajeto entramos num canyon muito interessante, paredões de rocha amarelada, que estreitavam a estrada, às vezes se debruçando sobre ela, quase formando túneis no caminho. Chegamos no Gocta já à noite, após nos perdermos por uma meia hora, já que os dois GPSs não mapeavam a região. Jantamos muito bem após um banho revigorante e aproveitamos as enormes suítes familiares. Choveu bastante à noite.


Dia 20 de janeiro, segunda
Dia de descanso - pelo menos para alguns. Cocachimba é um lugarejo com umas 30 casinhas, duas ou três hospedagens e o Gocta Lodge, que fica exatamente de frente para a grande Gocta, a terceira mais alta cachoeira do mundo. Muitos grupos de turistas chegam ao vilarejo para se registrar no centro de guias e caminhar até a queda. Do nosso grupo, os incansáveis Cascata, Ricardo e Artur resolveram enfrentar a caminhada de quase 5 horas (ida e volta) até o poço da cachoeira. Estava chovendo quando saíram, mas a chuva logo parou. No centro de guias se pode alugar capas e botas de borracha. Os demais integrantes do grupo ficaram aproveitando as acomodações do lodge, inclusive a piscina de borda infinita, cuja água estava gelada, comendo bolinhos de quínoa e admirando a incrível vista para a catarata. Ao retornarem, os caminhantes, estavam muito embarrados e contaram que a trilha era puxada, com muito sobe e desce. O valor que pagaram para ingressar na trilha foi 10ns para adultos, 5ns para o Artur (estudante). A maior façanha do Ricardo durante a viagem acabou sendo cortar o cabelo no vilarejo. Para começar a contar a história, é preciso dizer que foi somente na 3ª tentativa em que ele foi até a casa da moça que corta cabelo que ele a encontrou. Acontece que ela também é guia de trilha e ainda não havia chegado (!). Quando finalmente a tal moça chegou, pediu para o Ricardo esperar um pouco e foi recolher roupa enquanto o "cliente" esperava sentado ao lado de um sr que estava costurando e deveria ser pai dela. Para completar o drama, ao iniciar o corte, ela foi se desculpando e avisando: não se preocupe com a minha mão direita (sim, a que segurava a tesoura e depois a máquina e a gilete) ela está assim inchada porque levei uma picada de vespa durante a trilha (!). Enfim, deu tudo certo mesmo, o corte ficou bom e ela cobrou 3ns, o Ricardo pagou 5ns. É coragem, hein? Jantamos bem e tomamos vinho peruano novamente. Pedimos para prepararem sanduíches para levarmos na viagem do dia seguinte, que seria punk!

Dia 21 de janeiro, terça
Deixamos o Gocta às 8h15min, após o café da manhã em frente àquela maravilhosa vista. E a viagem foi punk mesmo - não mais que o canyon Del Pato - mas cansativa, com sobes e desces, serpenteando montanhas, acompanhando rios, passando por vales férteis, muita plantação de arroz, milho e frutas novamente, muito lugar quente e seco, muito povoado humilde, muitos animais na pista, o que tornava o trajeto perigoso. Houve um trecho, de vários quilômetros, a 2000 msnm em que começou a chuviscar e andamos muito sob uma neblina forte. Durante toda a viagem pelo Peru frequentemente fomos parados por policiais que pediam documentos do carro, do motorista. Nas últimas vezes, ao verem que éramos turistas estrangeiros, já mandavam seguir, sem pedir documentação, mas neste dia aconteceu algo diferente - numa das vezes a barreira "policial" que nos parou se identificou como "segurança alternativa de estradas contra assaltos" (sabemos que acontecem casos na região da floresta e também algumas partes bem ao norte) e pediu uma colaboração espontânea. O Ricardo deu 6ns. Mais adiante nos informamos sobre isto e nos disseram que realmente há este tipo de segurança não oficial e que funciona bem contra assaltos... Pagamos vários pedágios, nesta e noutras viagens, a maioria deles custando $ 5,50ns.

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